O figurino que vestia o Brasil do café com leite
Em algum lugar entre os séculos XIX e XX: crianças
mortas, antes de serem enterradas, muitas vezes
eram vestidas como pequenos soldados romanos,
para que, seguindo crenças religiosas da época, chegassem
ao céu prontas para exercer o papel de anjos
protetores.
Quando uma família ia à praia, as mulheres usavam
saias longas e sombrinhas; os homens, calças, camisa e
chapéu.
E ao percorrer as ruas de uma São Paulo que crescia
a todo vapor, vendedores de artigos para o lar adaptavam a
moda de Paris para um dia a dia sob o sol. Esses são apenas
três recortes de uma vasta memória que o Brasil ainda não
tirou por completo do armário.
1. Cesteiro, no Rio, em 1875
2. Caipira acende cachimbo (1911)
1. Cine Pathé, no Rio, em 1918
3. Cinco gerações da família
Souza Barros, em 1920
A transição de uma vida essencialmente agrária para uma outra, que dava seus primeiros passos em direção à febre da urbanização, determina alguns dos traços desse retrato. Mas o apreço pela moda que vinha da França, e no caso dos homens também pelo estilo inglês, mais do que tudo, propagou por aqui um jeito de se vestir parecido com o de europeus, sobretudo das elites.
1. Cesteiro, no Rio, em 1875
3. Dupla de jornaleiros cariocas, em 1899
4. Grupo de músicos mineiros, em 1875
Boa parte do vestuário e de modelos de reprodução foi
trazida por costureiras e alfaiates estrangeiros, ou ainda por uma elite cheia
de dinheiro que fazia compras em Paris. Era uma época em que o vestuário era
considerado patrimônio, herdado dos avós inclusive.
Os pobres, quando aparece em fotografias da época, quase
sempre estão descalços e quando usam sapatos, muitas vezes, é possível notar
que aquele mesmo calçado pode aparecer em uma outra foto, nos pés de outra pessoa
retratada, o que dá margem à uma conclusão: alguns artigos eram emprestados
somente para que o sujeito posasse para o retrato. O mesmo acontecia com bolsas
e sombrinhas.
Em algumas fotografias, é nítido, você vê os escravos num tal
estado de depressão... Eles entendiam o que estava acontecendo com eles e por
isso não tinham ânimo para tirar fotografias. Há registros também de negros vestidos tal quais aristocratas.
As roupas, nesses casos, também eram emprestadas pelos seus senhores unicamente
para que o retrato fosse feito. Mas há casos de famílias que conseguiram
prosperar após a Lei Áurea (1888) e aparecem vestidas, mais tarde, em trajes
sociais.
É interessante que, as roupas íntimas ou eram usadas até o
desgaste completo, ou acabavam na lata do lixo. Há também, padrões de confecções que dão pistas sobre a origem de
cada peça. Algumas roupas com relevo, por exemplo, indicam o uso de uma técnica
desenvolvida na França. Os desenhos eram recortados em tecido, aplicados sobre
a roupa e, para o acabamento, bordava-se sobre eles, resultando em texturas. Também, morria um filho, a mulher ficava de luto para o
resto da vida. Isso só foi flexibilizado depois da década de 1930, quando o
tempo de luto vai sendo reduzindo.
1. Centro do Rio, em 1895
No período retratado há ainda um fato histórico que
determina uma série de mudanças. Com o início da Primeira Guerra Mundial,
viagens para o exterior passam a ser pouco frequentes. Minguam também as importações de tecidos, que vinham da
Inglaterra e da França. Como consequência, começam a diminuir, no Brasil, o tamanho
das roupas, que vão ganhando contornos mais leves. Na década de 1920 algumas
mulheres, por exemplo, já passeiam pelas ruas mostrando braços e parte das pernas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário